30 janeiro 2007

Balbúrdia temporária


Para que um dia o Tigy também me veja assim...


"Uma casa em fase de mudança: uma balbúrdia temporária."
Assim estava definida a adolescência numa das muitas citações que eu tinha coladas num dos meus cadernos pretos do liceu. Naquele tempo, eu vivia mesmo esses dias de dramas e desafios e já dizia que aquela era, apesar de tudo, a melhor fase da vida. Porque naquela idade desculpam-se quase todos os erros, esquecem-se até os exageros das paixões e toda a virtuosidade das ideias e dos sonhos. Dentro daqueles anos coube, em mim, uma história longa de mais para agora a lembrar... Uma história de enganos e injustiças, de ingenuidade e poder, de um certo mistério e muito pouco tento. Essa é uma das grandes histórias da minha vida, a que me fez mais amarga do que rosa, a que me fez mais desconfiada do que sincera, mais premeditada do que emotiva. Essa é a história que me faz ser assim. Hoje. Adulta ou talvez não. Mãe. Mulher. E o importante é dizer que, se não fosse essa história, a minha adolescência teria sido uma qualquer e a minha vida, dentro da minha cabeça, seria muito mais... simples. Talvez.

Hoje, por ter voltado aos cadernos da escola, aos testes e aos colegas de turma, consegui lembrar-me friamente do que é, afinal, importante na minha adolescência. E foi assim que descobri as melhores coisas de mim vindas dela: a irreverência, os medos e as dúvidas constantes e dilacerantes, a sensação de ter o mundo inteiro à minha espera e, até, uma nostalgia saboreada nas palavras que escrevo e nas que apago, também.

Já agora, as melhores histórias da minha vida vivem comigo o dia-a-dia e são, realmente, as únicas que importam. Já sem saber bem como, parece que substituí as mágoas pelas esperanças e, sem certeza de qualquer espécie, enfrento os dias de balbúrdia com a inconsciência da adolescência.

04 janeiro 2007

O novo cesto dos brinquedos


Procurei atentamente dentro da loja e encontrei exactamente o que queria: um cesto rectangular enorme, feito de verga mas forrado a tecido às riscas brancas e vermelhas. O saco maior não dava para o transportar e, sem conseguir agarrar as asas convenientemente, levei-o até ao carro e encaixei-o no banco traseiro, mesmo ao lado da cadeira vazia do Tigy.
A hora de almoço fez-se desta missão pós-natal: arranjar um novo poiso para os brinquedos do bebé.

No seu segundo Natal, o Tigy viu-se rodeado de montanhas de papel colorido. Com os embrulhos na mão, agarrava os laços e entretinha-se a colar e descolar a fita-cola dos dedos... Entretanto, a mamã Beguinha abria as prendas e partilhava-as com a família. Ao meu redor, debaixo da cadeira, em cima dos pés, sem colo que albergasse tamanha quantidade de objectos, foram multiplicando-se os brinquedos. Brinquedos de todas as formas e feitios, com sons mais ou menos irritantes, com luzes mais ou menos incandescentes, com maior ou menor funcionalidade ou pedagogia, de todas as marcas e tamanhos, com todos os objectivos ou falta deles...
Enquanto a sala se enchia de caixas vazias, de papel amarrotado, de carros a vaguearem por entre as nossas pernas, de puzzles e legos espalhados por baixo do sofá, de algumas roupas dobradas em cima de uma cadeira, encontrei-me a mim mesma "com-uma-sensação-estranha-sentida-cá-dentro-mas-que-por-muito-que-pense-não-encontro-palavra-capaz-de-traduzir". Sei que tinha uma ponta de tristeza, uma dose grande de incómodo, uma boa parte de culpa. Ao comentário da avó de que tamanha parafernália de brinquedos dava para abrir um bazar, soltei uma frase parecida com "de certeza que existem tantas crianças que não receberam nenhum brinquedo e olha para isto..."

Não me considero um exemplo de solidariedade, perante tantos e grandiosos que vou descobrindo, mas este Natal - talvez culpa da nuvem escura que, nos últimos tempos, me segue para todo o lado, poisada no cimo da minha cabeça - o rasgar dos embrulhos soou a vazio e pouco a encanto.

Chegada eu, o bebé, o pai Beguinho e o cesto a casa, o Tigy encontrou neste último o brinquedo que lhe faltava: alçou a perna e entrou para dentro dele, sentando-se bem confortável de pernas abertas e mãos poisadas, cada uma em sua aba. Ali estava, dentro do enorme cesto de verga, o meu melhor presente. Diário e permanente. Sem precisar de laços ou embrulhos.

01 janeiro 2007

Para 2007


Um desejo
sentir-me tão preenchida por dentro quanto a minha vida cá fora.
E uma promessa
refugiar-me, mais vezes, nos balanços da felicidade
e, depois, sair desse abrigo
mais livre e mais leve.