05 dezembro 2007

Só por ela




Lembro-me bem do dia em que ela saiu de casa. Não daquele em que arrumou roupas, tachos e almofadas e partiu para outro lugar. Não esse. O dia em que a minha irmã saiu de casa foi aquele em que a vi de chinelos à porta de uma casa que não era a minha, mas só dela. A partir dali os nossos encontros eram as férias e os fins-de-semana e cada vez mais separadas pela distância encurtámos, progressivamente, este sentimento forte e seguro, que não sinto por mais ninguém. Só por ela.

Porque há coisas, instantes da vida, que por muitos pequenos que pareçam colam-se à memória como sinais da pele e voltam quando menos se espera ou então quando se chama o passado para tapar buracos do presente. A minha irmã esteve sempre lá: nas tardes que passávamos a ver filmes alugados no clube de vídeo e chorávamos de tanto rir com comédias de nenhuma qualidade; no quarto partilhado por tantos anos; nas férias na praia e de um escaldão em particular; nas primeiras voltas por Lisboa; nos desatinos da adolescência. E a minha irmã tem estado sempre lá: nos meus primeiros passos na faculdade; nos problemas por tudo e por nada; nos momentos mais difíceis e mais marcantes e nos melhores de todos, nos 9 meses da minha gravidez como na primeira noite com o Tigy ao lado...


Hoje a minha irmã foi mãe. E eu que sempre pensei ser tia muito antes de ser mamã, só queria estar sempre ao lado dela como ela tem estado do meu. Incluindo o dia de hoje, esta noite e este preciso momento.

14 novembro 2007

A verdade acerca do amor




Há uma verdade acerca do amor da qual todos duvidamos quando ouvida das bocas dos outros. É aquela que diz que não há amor como o que se sente pelos filhos. Eu diria, agora, que aquilo que se sente pelos filhos é um sentimento novo e completo, feito do melhor e do mais angustiante que têm todas as coisas realmente importantes. E, então, aquilo que se sente pelos outros, por todos os outros, entra numa espécie de escala de valores, tendo no cimo aquele que saiu de dentro de nós, para deixar, degrau a degrau, os outros, mesmo os fundamentais, cada vez mais abaixo. Ter filhos pode ser uma decisão, um acaso, uma benção, pode ser até a ordem natural da vida. Mas, a partir daquele dia, ainda vive ele dentro da nossa barriga, tudo o que gira com o mundo gira, incontornavelmente, à volta dele.


Há outras verdades acerca de outros amores. São verdades inabaláveis que falam de tempo que passa, de dias sucessivos muito iguais uns aos outros, de problemas, de banalidades, de dores de cabeça, de um deixa estar ou de um nem penses nisso. Li várias vezes, em vários lugares, revestido em muitas palavras diferentes, que o tempo mata a paixão, dilui o desejo, diminui a pressa para a substituir por conformação ou qualquer coisa assim. Senti, em vários momentos, que há sempre algo a fazer para mudar rumos que não queremos e que tentar, agir, conseguir, depende unicamente de nós e da força que temos perante o resto. O resto que são as partes cinzentas dos dias, diluídas em tudo o que eles têm de mais insonso e desgastante.


Então, a grande verdade acerca do amor está nos presentes e nos recados que a vida nos entrega, de quando em vez. Cá em casa, na minha, que é afinal a nossa, tenho um presente constante feito das descobertas do Tigy. Há sempre laços e papel a desembrulhar: uma palavra nova, uma expressão bem dita, as brincadeiras que inventa, as reacções, o simples movimento ou um beijo dado na minha bochecha, assim sentido, na minha pele, pela primeira vez. E cá em casa, na minha, dentro da nossa, os recados são gritos de alerta, sustos ou apenas um sopro para que à força de viver os dias eu não me esqueça que há coisas que escolhemos para nós e que precisam de ser escolhidas e escolhidas e escolhidas... diariamente.


Beguinho, se eu soubesse, seria eu quem te responderia, quando estampas no cimo de um blog:



Mas eu só saberei responder com mais perguntas e com a minha verdade. A nossa.

11 outubro 2007

O bater do coração


Todas as noites o Tigy vai para a sua caminha por volta das 9 da noite. A rotina é deitá-lo, dar-lhe a fraldinha e rodeá-lo dos seus bonecos preferidos: o Noddy, a quem ele chama "popó"; o Ruca que ele trata por "Pípi"; um macaco que é o "pá" e um Pai Natal, que canta Frank Sinatra, e que ele baptizou de "oh oh oh". Deste ritual faz parte dizer-lhe algumas vezes "Vamos dormir", "Dorme bem" e "Até amanhã", e ele fica aconchegado, pronto para recuperar toda a energia que o faz mexer dias inteiros.
Esta noite aconteceu algo diferente e novo, para mim. Apesar de estarem todos os companheiros presentes, a fralda entre as mãos, junto ao rosto, e a minha voz a repetir, sussurrando, as frases certas, o Tigy não me deixava afastar da cama.

Ao aproximar a minha mão das dele, num gesto rápido, o Tigy agarrou a minha mão e colocou-a entre as suas, encostando-a ao seu peito. Assim ficámos alguns minutos: a minha mão espalmada sobre o peito pequenino do meu filho, e ele a segurar-me, com força, com as suas duas mãos. O quarto escuro, o silêncio, aquele toque das nossas peles e o coração dele a bater dentro do peito, como se conversasse com a palma da minha mão. Quando o senti quase adormecido... soltei a minha mão das dele e aquela interrupção, entre o palpitar do coração dele e o meu corpo, assustou-me. Olhando-o assim, a reclamar a ausência das minhas mãos no seu peito, percebi que sentimos os filhos tão nossos que chegamos a pensar que os seus corações só batem se as nossas mãos os sentirem...
Deixei-o no quarto, a dormir a sua noite dentro dos seus sonhos. Fiquei eu com os meus pensamentos: Pois é... Tenho um filho que cresce... tão depressa. E que tem um coração que bate só por ele, mas que precisa tanto do meu...

06 setembro 2007

Adaptação

Quando o nosso filho chora porque não quer sair do Colégio no primeiro dia em que vai e, ainda por cima, esteve lá só uma curta manhã, para se adaptar, isto quer dizer o quê? E agora, quem me adapta a mim?

18 agosto 2007

Voltar Ficar

O sabor do regresso. A vontade de sentir a minha rotina de volta. Gostar dela. Senti-la quase completa. Quase perfeita. Desconfiar disto. Da rotina. Do gostar. Até do sentir ou de qualquer tipo de pensar. Querer mesmo voltar. Querer outras coisas de volta. Aquelas que não virão nunca. Agradecer. Desconfiar.
Lembrar o ir.
Querer mesmo voltar.
E Ficar.


01 agosto 2007

Ir

Sentir o tempo. IR. Mudar de lugar. Acreditar. Desconhecer as horas. Estar bem. Estar com eles. Com quase todos. Com os que importam. Desconhecer o resto. Não querer saber. Esquecer. Ignorar. Ter saudades. Sofrer de saudades. Acreditar sempre. IR. Saber bem VOLTAR. Guardar momentos. Fazer os momentos. Acreditar nos momentos. IR e depois VOLTAR. De férias. Estar de férias. Sentir as férias. Sentir-me bem.

Até já.

26 julho 2007

2



Nós 2 fazemos um momento nosso. Os 2 dos abraços, com 2 braços cada um. Os 2 dos olhares com 2 olhos para cada olhar.
Os 2 dos corações. Um só, em cada peito, a bater, sem parar.
Nós 2 fazemos uma história simples. Aquela que tem 2 pessoas que num dia ou 2 se conheceram e se entenderam, fizeram de 2 vidas uma coisa comum.
Nós 2 fazemos um par. Tu tens os olhos amendoados e vivos, o cabelo em desalinho e quase 2 anos de vida para contar. Eu tenho 2 ou mais sinais parecidos contigo e vários anos, 2 a 2, de dias para lembrar.
Dizem de nós 2 que estamos unidos para sempre. Porque saíste de dentro da minha barriga e és parte da pele da minha pele. Mas eu acho que estamos unidos por outras coisas também: por 2 nomes bonitos, como "Mãe" e "Filho"; por 2 sentimentos entre tantos conjuntos de 2; por 2 histórias vezes muitos outros 2.

2 anos depois, a felicidade já não vive dentro da minha barriga. Saiu dela para se refugir em toda a parte.

04 julho 2007

Um dia



Um dia, quando o Tigy for um rapaz crescido, irei explicar-lhe porque é que a mamã é assim, porque reclama tempo para si, calada, sossegada, de olhos humedecidos e o corpo contorcido. É que a mamã ainda não é uma menina crescida e, às vezes, sente-se mais pequenina que o Tigy que ainda diz poucas palavras e viveu tão poucos dias. Há mesmo dias em que a mamã não se sente nada "Mãe" e pede muitas desculpas baixinho ao seu bebé, por não ser capaz, por não ser mesmo capaz... Então o Tigy vai saber que há dias em que perdemos muitos anos dentro de nós, em que reclamamos tempo e mãos a deslizar no cabelo, em que queremos o mundo abraçado a nós... Dias em que as coisas pequenas, como um brigadeiro de chocolate, nos fazem perceber coisas grandes como a amizade. E sei que esse dia vai valer tanto como muitos outros, aqueles em que me sinto crescida, inteiramente "Mãe", inteiramente feliz.

16 junho 2007

Eu no meu mundo


Enquanto as palavras decidem escrever-se a si mesmas. Enquanto os meus dedos primem as teclas erradas. E enquanto dura esta inconstância entre as ideias e a verdade... Ficam frases acabadas ao primeiro impulso... ou talvez ao segundo.


Eu quero... acreditar.

Eu tenho... objectivos.

Eu acho... que sou capaz.

Eu odeio... vacilar.

Eu sinto... medo.

Eu escuto... o silêncio.

Eu cheiro... a pele.

Eu imploro... tempo.

Eu arrependo-me... de momentos.

Eu amo... as minhas pessoas.

Eu sinto dor... e choro.

Eu sinto falta... e sofro.

Eu importo-me... quando falho.

Eu sempre... fui assim.

Eu não fico feliz... só por ficar.

Eu acredito... que nada acontece por acaso.

Eu danço... abraçada.

Eu canto... mal.

Eu choro... muito.

Eu falho... constantemente.

Eu luto... incessantemente.

Eu escrevo... cada vez menos.

Eu ganho... alguns sorrisos.

Eu perco... outros tantos.

Eu nunca digo... que é fácil.

Eu estou... tranquila.

Eu sou... frágil.

Eu fico feliz... com as pequenas coisas da vida.

Eu tenho esperança... que algumas coisas ainda sejam para sempre.

Eu preciso... de viver os meus segredos.

Eu deveria... revelar-me diariamente.

06 maio 2007

Poema à Mãe

No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou

O menino adormecido

No fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras

Que há leitos onde o frio não se demora

E noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo

São duras, mãe,

E o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas

Que apertava junto ao coração

No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,

Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;

Esqueceste que as minhas pernas cresceram,

Que todo o meu corpo cresceu,

E até o meu coração

Ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me?

-Às vezes ainda sou o menino

Que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração

Rosas tão brancas

Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:

Era uma vez uma princesa

No meio do laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,

E todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,

Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.

Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


(Eugénio de Andrade)

10 abril 2007

10 coisas sobre o Tigy
(que fazem o meu bebé só meu)


1 - Os olhos muito vivos.

2 - O cabelo rebelde.

3 - As mãos gordinhas.

4 - O "qué-qué" a apontar para a televisão.

5 - Os passinhos apressados pela casa.

6 - O cheiro das fraldas, da pomada, do champô, da pele.

7 - Os abraços apertados à volta do meu pescoço.

8 - A massa, o arroz, as bolachas espalhadas pelo chão. E a água do biberão a pingar no tapete.

9 - O modo de dançar, abanando a cabeça e alternando o balanço de uma perna para a outra.

10 - As gargalhadas com tanta vontade.

03 abril 2007

Deixar para depois

«Há 200 anos atrás, Benjamin Franklin partilhou com o mundo o segredo do seu sucesso: "Nunca deixar para amanhã o que se pode fazer hoje" - disse ele. Este é o homem que descobriu a electricidade. Era de esperar que mais gente lhe tivesse dado ouvidos.
Não sei porque adiamos as coisas, mas se tivesse de adivinhar, diria que tem muito a ver com medo. Medo de falhar. Medo de sofrer. Medo de ser rejeitado. Às vezes, é apenas o medo de tomar uma decisão. Porque... e se estivermos enganados? E se cometermos um erro que não podemos desfazer?
Seja lá o que for que tememos, uma coisa é verdade. Quando a dor de não fazer nada se torna pior do que o medo de fazer, parece que carregamos um grande tumor.
Aquele que hesita está perdido. Não podemos fazer de conta que não nos avisaram. Todos ouvimos os ditos, ouvimos os filósofos, ouvimos os nossos avós a falarem do tempo perdido, ouvimos o raio dos poetas a dizerem-nos para vivermos o momento.
Mesmo assim, às vezes, temos de ver por nós mesmos. Temos de cometer os nossos erros. Temos de aprender as nossas lições. Temos de varrer a possibilidade para baixo do tapete do amanhã até não podermos mais. Até que finalmente percebemos o que Benjamin Franklin queria dizer... Que saber é melhor do que especular, que acordar é melhor do que dormir. E que até o maior fracasso, até o pior, o mais crasso dos erros, é melhor do que nunca tentar.»
Anatomia de Grey

11 março 2007

Onde acaba a mamã e começo eu?

Por causas destas palavras do psiquiatra Daniel Sampaio...

"A primeira coisa que um pai ou uma mãe deve fazer é ter a certeza que não deixa de ser pessoa. Porque alguns pais e algumas mães na maternidade e na paternidade tornam-se cuidadores dos seus filhos e desaparecem como pessoas."

...decidi encontrar em mim os traços que sempre me fizeram ser como sou e realça-los aqui, em sons e imagens, em recordações e desabafos, numa busca constante daquilo que sempre fui e de como fiquei depois dele. Do Tigy.

Eu sou...

...tranquila e emotiva. Também impaciente e insistente.

Sempre gostei desta música...



e ultimamente tenho ouvido muito esta...



Emociono-me com palavras como...

"Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci."

(Maria do Rosário Pedreira)

... e lamento não ter escrito um livro assim:



Choro sempre nesta parte...



e vicio-me em séries como esta...




Conto quase sempre até 10 antes de falar,
mas gosto de pessoas que dizem 10 coisas antes de pensar.

Tenho saudades de algumas coisas do passado
e arrependo-me de outras tantas que não terei no meu futuro.
Aquele que me verá sempre como a mamã do Tigy,
o mesmo onde caberei sempre e apenas eu.

25 fevereiro 2007

Dentro de água



Às sextas-feiras, entre o trabalho e a creche, a dúvida impõe-se: ir ou não à natação! As aulas do Tigy na piscina são autênticas sessões de aeróbica para mim... O veste e despe no balneário, sempre a gritar "Tigy anda cá", leva-me para dentro de água já completamente estafada. O Tigy não quer tirar a roupa e vestir o calção e, muito menos, deixar-me despir e enfiar num único gesto o fato-de-banho. Pior ainda é colocar as toucas. Começo por lhe pôr a touca a ele, pois enquanto a tenta tirar, numa verdadeira luta com o elástico, eu lá consigo arrumar (quase) todos os meus cabelos dentro da minha...

No caminho entre o balneário e a piscina enterneço-me sempre com o meu bebé... Com a touca azul, o corpo nu e o roupão amarelo um pouco grande e desajeitadamente vestido. Nesses segundos, dou-lhe muitos beijinhos nas bochechas e perdoo-lhe o cansaço dos preparativos para a aula.

Dentro de água compensa-se tudo... A semana de trabalho, os problemas da vida, até a preguiça em levar o Tigy à piscina. No primeiro contacto com a água tenho sempre o mesmo pensamento: "Ainda bem que vim".
Durante aquela meia hora, o bebé não pára um segundo e desbrava aquelas águas tépidas e azuis sempre contente e enérgico, sem medo nem cansaço. Vê-lo a bater os pezinhos e a responder a algumas das instruções da professora é uma alegria imensa de mamã babada...

Ao terminar a aula, lá vamos os dois mal embrulhados na toalha e no roupão, de chinelos mal calçados e os corpos a pingar. No balneário, partilhamos o banho de chuveiro: ao meu colo o Tigy bebe a água quente que cai e fecha os olhos, de quando em vez, aflito. Depois dos diversos problemas em secar o bebé e o vestir, com o acrescento de eu própria estar completamente encharcada, chega a parte mais complicada, aquela em que me tento vestir a mim própria, enquanto convenço o Tigy a não atirar as peças de roupa para o chão molhado.
De regresso a casa, o meu bebé vai estafado e, por vezes adormecido, na sua cadeira. O fim-de-semana começa agora e este terminou com um banho a dois, na banheira cá de casa. Bem mais pequena do que a piscina, mas com espaço para a mesma meia hora de brincadeiras e de muita cumplicidade.

13 fevereiro 2007

A lembrança do meu cabelo


A 200 km de mim, o Tigy no hipermercado descobre um cartaz que promove produtos para o cabelo. Lá está uma mulher de cabelos compridos, escuros e lisos. Ele olha e diz: "Mamã. Mamã. Mamã".

Uma história assim, contada ao telefone precisamente no oitavo dia de distância, torna o coração muito pequenino, fazendo bater descompassado. A gozar os mimos dos avós, o Tigy deixa o tempo vazio e os meus pensamentos à solta. Talvez perdidos de mais em histórias que nunca serão minhas...
Amanhã é dia de regresso e, depois dos abraços da chegada, teremos muito para conversar. Vou contar-lhe que os nossos refúgios vão ser um programa de rádio; que a casa vazia fez a mamã passar metade do fim de semana a dormir; que ando muito desactualizada nos episódios do Noddy; que acabei com as bolachas Zoo e terei até um momento para lhe dizer um segredo... Só a ele.

30 janeiro 2007

Balbúrdia temporária


Para que um dia o Tigy também me veja assim...


"Uma casa em fase de mudança: uma balbúrdia temporária."
Assim estava definida a adolescência numa das muitas citações que eu tinha coladas num dos meus cadernos pretos do liceu. Naquele tempo, eu vivia mesmo esses dias de dramas e desafios e já dizia que aquela era, apesar de tudo, a melhor fase da vida. Porque naquela idade desculpam-se quase todos os erros, esquecem-se até os exageros das paixões e toda a virtuosidade das ideias e dos sonhos. Dentro daqueles anos coube, em mim, uma história longa de mais para agora a lembrar... Uma história de enganos e injustiças, de ingenuidade e poder, de um certo mistério e muito pouco tento. Essa é uma das grandes histórias da minha vida, a que me fez mais amarga do que rosa, a que me fez mais desconfiada do que sincera, mais premeditada do que emotiva. Essa é a história que me faz ser assim. Hoje. Adulta ou talvez não. Mãe. Mulher. E o importante é dizer que, se não fosse essa história, a minha adolescência teria sido uma qualquer e a minha vida, dentro da minha cabeça, seria muito mais... simples. Talvez.

Hoje, por ter voltado aos cadernos da escola, aos testes e aos colegas de turma, consegui lembrar-me friamente do que é, afinal, importante na minha adolescência. E foi assim que descobri as melhores coisas de mim vindas dela: a irreverência, os medos e as dúvidas constantes e dilacerantes, a sensação de ter o mundo inteiro à minha espera e, até, uma nostalgia saboreada nas palavras que escrevo e nas que apago, também.

Já agora, as melhores histórias da minha vida vivem comigo o dia-a-dia e são, realmente, as únicas que importam. Já sem saber bem como, parece que substituí as mágoas pelas esperanças e, sem certeza de qualquer espécie, enfrento os dias de balbúrdia com a inconsciência da adolescência.

04 janeiro 2007

O novo cesto dos brinquedos


Procurei atentamente dentro da loja e encontrei exactamente o que queria: um cesto rectangular enorme, feito de verga mas forrado a tecido às riscas brancas e vermelhas. O saco maior não dava para o transportar e, sem conseguir agarrar as asas convenientemente, levei-o até ao carro e encaixei-o no banco traseiro, mesmo ao lado da cadeira vazia do Tigy.
A hora de almoço fez-se desta missão pós-natal: arranjar um novo poiso para os brinquedos do bebé.

No seu segundo Natal, o Tigy viu-se rodeado de montanhas de papel colorido. Com os embrulhos na mão, agarrava os laços e entretinha-se a colar e descolar a fita-cola dos dedos... Entretanto, a mamã Beguinha abria as prendas e partilhava-as com a família. Ao meu redor, debaixo da cadeira, em cima dos pés, sem colo que albergasse tamanha quantidade de objectos, foram multiplicando-se os brinquedos. Brinquedos de todas as formas e feitios, com sons mais ou menos irritantes, com luzes mais ou menos incandescentes, com maior ou menor funcionalidade ou pedagogia, de todas as marcas e tamanhos, com todos os objectivos ou falta deles...
Enquanto a sala se enchia de caixas vazias, de papel amarrotado, de carros a vaguearem por entre as nossas pernas, de puzzles e legos espalhados por baixo do sofá, de algumas roupas dobradas em cima de uma cadeira, encontrei-me a mim mesma "com-uma-sensação-estranha-sentida-cá-dentro-mas-que-por-muito-que-pense-não-encontro-palavra-capaz-de-traduzir". Sei que tinha uma ponta de tristeza, uma dose grande de incómodo, uma boa parte de culpa. Ao comentário da avó de que tamanha parafernália de brinquedos dava para abrir um bazar, soltei uma frase parecida com "de certeza que existem tantas crianças que não receberam nenhum brinquedo e olha para isto..."

Não me considero um exemplo de solidariedade, perante tantos e grandiosos que vou descobrindo, mas este Natal - talvez culpa da nuvem escura que, nos últimos tempos, me segue para todo o lado, poisada no cimo da minha cabeça - o rasgar dos embrulhos soou a vazio e pouco a encanto.

Chegada eu, o bebé, o pai Beguinho e o cesto a casa, o Tigy encontrou neste último o brinquedo que lhe faltava: alçou a perna e entrou para dentro dele, sentando-se bem confortável de pernas abertas e mãos poisadas, cada uma em sua aba. Ali estava, dentro do enorme cesto de verga, o meu melhor presente. Diário e permanente. Sem precisar de laços ou embrulhos.

01 janeiro 2007

Para 2007


Um desejo
sentir-me tão preenchida por dentro quanto a minha vida cá fora.
E uma promessa
refugiar-me, mais vezes, nos balanços da felicidade
e, depois, sair desse abrigo
mais livre e mais leve.