13 junho 2006

Uma história dele
(na terceira pessoa)


Antes dele os grandes sorrisos ou as boas gargalhadas soltavam-se por motivos bem diferentes. Uma piada bem contada, uma surpresa original, uma boa notícia, uma outra aventura. Na verdade, não sei identificar com precisão o momento em que alterei os padrões do meu humor e os condicionalismos da minha vida, mas suponho que tenha alguma coisa a ver com ele.
Ou tudo mesmo.
Agora, as grandes alegrias da minha vida revestem-se de uma simplicidade ternurenta, porque são feitas pelo seu franzir do nariz, pelo gesto perigoso de abrir muito a boca para me tentar morder, pela forma carinhosa como me agarra a mão com a dele ou, somente, por uma pequena história relatada pelas educadoras no fim de mais um dia de creche.
E a história que despoletou tudo isto foi esta:

«Ai mãe ele hoje fez uma coisa engraçadíssima! Já andámos aí a contar a toda a gente... Andava aqui a brincar e, de repente, pega na fralda e toca a gatinhar com ela. Encaminha-se para a cadeirinha dele, trepa por ela acima, pondo primeiro os joelhos e dando depois a volta para sentar o rabinho, pega na fralda e lá está ele, pronto para dormir. Nós ficámos a observar aquilo... ele lá tinha sono e como não o tínhamos ainda deitado... olha deitou-se ele sozinho...»

Imaginar o meu filho, a gatinhar sozinho com a sua fralda, sala fora até à cadeira, preparando-se para dormir, sossegadinho, despertou, em mim, naquele momento, uma sensação sufocante de um amor imenso por aquele ser tão pequenino e, ao mesmo tempo, uma raiva angustiante por estar longe e ausente. Talvez por não ter sido eu a observar a cena caricata, a registá-la com detalhe e a relatá-la, agora, na primeira pessoa.