21 setembro 2006

Aquele abrigo





Chovia torrencialmente. Eu, a caminho do trabalho por uma das estradas mais movimentadas do país, ainda trazia nos ouvidos o choro do Tigy, deixado na creche minutos antes. Na rádio iam falando do temporal, das centenas de pedidos de ajuda aos bombeiros durante a noite, dos acidentes, do trânsito e, também, das melhorias previstas para o início da tarde. Dentro do carro, rodeada da água que escorregava pelos vidros, maldizia a fila, as obras, a pressa da manhã. Aquele avançar a compasso permitia observar as pessoas a atravessarem a passagem pedonal aérea, mesmo à minha frente. Dei por mim a pensar que talvez devesse ser coberta, para não terem de correr de chapéu aberto e tanta tralha ao ombro, na urgência de apanhar o próximo comboio... Até que, por entre tantos corpos encolhidos pela chuva, um chamou a minha atenção. Uma senhora atravessava com um bebé pequenino ao colo, sem chapéu, mas com o "filho" bem abrigado com um casaco impermeável, munido de capuz. Fiquei a observar o seu percurso: o passo rápido, depois o cuidado extremo ao descer as escadas íngremes e, ainda por cima, provisórias, assemelhando-se a andaimes. Agarrava o "filho" sabendo que nenhum deslize poderia acontecer. Chegada a "terra", continuou a sua caminhada, já de costas, deixando eu, progressivamente, de ver o bebé e depois ela própria.
A fila de carros lá foi avançando, a chuva diminuindo, o dia correndo, mas aquela senhora ficou sempre comigo. A partir de hoje, ela andará no meu carro e o seu bebé ocupará metade da cadeira do Tigy, disposta no banco de trás e cheia de posições diversas, de cintos de segurança e de conforto. Eles dois andarão comigo para que eu não esqueça que me queixo muito para o tanto que tenho.