19 agosto 2010

Eu e o peixe



Na hora de partir de viagem amontoavam-se os sacos no pequeno corredor que leva à porta de saída. O saco da roupa, o saco dos sapatos, a mala do Tigy, a mochila dos livros, da música, das canetas e cadernos. Entre a casa a esvaziar e o carro a encher, pensam-se nas luzes que têm de ficar apagadas, na torneira da água a ser bem fechada, no gás para desligar. Lembra-se do carregador do telemóvel, que é coisa que fica sempre, e da garrafa de água para enfrentar os quilómetros de auto-estrada, numa tarde de tanto calor.
Entre os afazeres que antecipam três semanas longe de casa, e com a sala já na penumbra, olhei para o peixe alaranjado que acompanhava as minhas voltas por ali com as voltas dele dentro do pequeno aquário. "Meu Deus! Tenho de levar o peixe...", pensamento assustado a que se seguiu um outro: "Mas eu nunca peguei num peixe em toda a minha vida!".
Lá inventei um esquema infalível: enfiar o peixe dentro de um garrafão de água e escolher um canto para ele entre a tralha que enchia o carro, para que nem uma gota de água saltasse durante a viagem.

Ficámos alguns segundos a olhar-nos separados pelo vidro que lhe duplica o tamanho. O peixe e eu. À primeira tentativa de o agarrar o peixe mal tocou na minha mão... Plano B: o coador do leite. Ele bem que foi apanhado pela rede mas dela não saltou para dentro do garrafão, mas sim para o ralo do lava-louça, completamente seco. O peixe ali a lutar contra a falta de água, a bater com o rabo desesperado e eu mais aflita do que ele, a assistir a um fim certo. Num repente, fechei o lava-louça e abri a torneira e o peixe voltou a nadar, agora num aquário bem maior.

Ali fiquei: eu e o peixe, com o aquário vazio, o garrafão vazio, o coador do leite na mão vazio e a hora da viagem tão perto.
"-Por favor peixinho! Por favor peixinho!" - pedia-lhe eu, acompanhando com o coador as voltas apressadas do animal dentro do lava-louça da minha cozinha. Não foi à segunda, nem terceira, acho que nem à décima tentativa, mas numa das vezes o peixe apanhado pela rede improvisada entrou no gargalo do garrafão e ouviu-se "ploc" quando caiu na água.

Agora sim. Estava tudo. Eu e o peixe.

Olhando-o a nadar dentro daquela espécie de aquário de plástico, surgindo de quando em vez por trás do rótulo, o peixe parecia em pânico e eu, em completo alívio depois de tão árdua tarefa, lá lhe confessei:
"Que todos os meus problemas fossem enfiar peixes dentro de garrafões de água...".



Ilustração - Annie Wilkinson

1 comentário:

BlueAngel aka LN disse...

ehehehehehehe consegui ver o filme todo e fartei-me de rir! :-) Mas missão cumprida!!! clap clap clap beijocas larocas com amizade :-)))