23 maio 2010

Uma canção e uma história #4

Uma canção que me põe triste




"Duas lágrimas de orvalho
Caíram nas minha mãos
Quando te afaguei o rosto"



Enquanto ela canta, dói tudo. Por dentro. Não há maior dor que se sinta, não há maior mágoa que se imagine. Não há mesmo traços de felicidade no caminho ou lembranças vagas de momentos bons.


"Pobre de mim pouco valho
Para te acudir na desgraça
Para te valer no desgosto."



Tudo escurece em volta. Enquanto por dentro se acendem luzes das mais duras memórias.


"Porque choras não me dizes
Não é preciso dizê-lo
Não dizes eu adivinho"


O mundo está parado e tranquilo, como se tivesse deixado de rodar. Como se não se passasse mais nada. Como se o que estivesse para trás fosse toda e qualquer verdade, toda e qualquer certeza.


"Os amantes infelizes
Deveriam ter coragem
Para mudar de caminho"


Tudo é, agora, inabalável e intocável. Sem discussão. Sem dúvidas. Sem margem para possibilidades. Nunca em tempo algum será possível recomeçar. Ou perdoar. Ou esquecer. Ou simplesmente superar. E ela canta.


"Por amor damos a alma
Damos corpo damos tudo
Até cansarmos na jornada"



E enquanto ela canta, volta tudo. Diminuem-se as esperas em certezas inúteis. Compreendem-se os azares em esperanças impossíveis. E tudo o resto perde sentido. E tudo o que perde sentido se perde de vez.


"Mas quando a vida se acaba
O que era amor é saudade
E a vida já não é nada."



Então, enquanto a ouço, sangram as piores dores do mundo e abrem-se, de novo, as feridas, que são as maiores falhas da vida e as maiores fragilidades de cada história.


"Se estás a tempo recua
Amordaça o coração
Mata o passado e sorri"



E ouvi-la é sempre sofrer com ela. É deixar entristecer. É ver a dor crescer, crescer tanto até se tornar impossível respirar ou sobreviver ou suportar sequer cada palavra que ela diz.


"Mas se não estás continua
Disse-me isto minha mãe
Ao ver-me chorar por ti."



Mas quando acaba, quando a voz dela se cala, quando as palavras faltam. O mundo volta a girar, voltam desejos de futuros possíveis e esconde-se a ferida enquanto se morde a dor.

1 comentário:

Huguinho disse...

Puxa vida!!!! Este texto tem tudo a ver com o que passei (/estou passando) na minha vida. Fantástico!!!