30 janeiro 2014

Não é Sim.



Há uns dias fui ao cabeleireiro de sempre para algo tão rotineiro como cortar um ou dois dedos no comprimento do cabelo, lavar e secar. Naquele final de tarde, não estava particularmente conversadora, imbuída num espírito autómato a que costumo chamar “inércia”. Assim, cumpri todo o ritual em serviços mínimos, respondendo com “sins” e “pois” às perguntas da rececionista do salão, dizendo “sim” ou “não” ao “Champô normal? Amaciador? Máscara?” da menina que lava o cabelo, escolhendo apenas entre “vermelho ou cor-de-rosa” à simpatia palavrosa da manicure. Aquele som de fundo dos cabeleireiros, cheio de secadores, conversas paralelas em segundas e terceiras camadas, gente que passa de um lado para o outro, levam-me sempre para uma realidade alternativa, que me protege do caos numa espécie de cápsula isolada.
Na cadeira, frente ao espelho, o cabeleireiro quis aumentar o dedo ou dois de comprimento para dois ou três, naquela paixão pela tesoura que tanto caracteriza tal profissão. Insisti. Era apenas um ou dois, não três. Ele sorriu e pôs mãos à obra, acabando por conseguir “escadear” na parte de trás, em vez de cortar a direito.
Terminado o corte, perguntou: “Como vamos secar?”. Eu respondi de imediato: “É para esticar.” Com o secador ligado bem perto dos meus ouvidos e o cabelo a esvoaçar, o cabeleireiro lá me apresentou uma sugestão alternativa, dizendo que o que ficava mesmo bem era encaracolar nas pontas. Acho que ainda disse que não, que expliquei que o meu cabelo não aguenta caracóis por mais de umas escassas horas, que não valia a pena, que já era final do dia e que ia já para casa, que daqui a poucas horas ia dormir e de manhã já não haveria vestígios sequer de um caracol que fosse. Acho que disse tudo isto em frases soltas, enquanto o meu cabelo continuava a esvoaçar e o secador zumbia pertinho dos meus ouvidos. Ou então não disse nada, só pensei.
Certeza tenho que saí do cabeleireiro cheia de caracóis nas pontas do cabelo, que saltitavam felizes nas minhas costas, enquanto entrava e saía de uma ou outra loja.

Naquele final de dia, naquelas voltas, no regresso a casa, no tempo entre o jantar e o serão, os afazeres e a hora de deitar, só uma questão não me largou: “que problema terei eu com o dizer não?”.
Os meus “nãos” são mais “talvez” “quases” ou mesmo “sins”. Os meus “nãos” não se ouvem como o resto, roçam a dúvida, atingem a concordância.

Na manhã seguinte não havia vestígios de caracóis no meu cabelo, nem sequer marca alguma de eu ter efetivamente ido ao cabeleireiro no dia anterior. Contudo a questão do saber dizer “não” ficou bem encaracolada no meu pensamento, até hoje.

Ouço há muitos anos que não sei dizer “não” ao Tiago e já fui muitas vezes apanhada por ele próprio, com comentários como: “Posso, Mãe? Mas tinhas dito que não?!”, num misto de incrédulo e duvidoso. Os meus “nãos” para ele acabam em vários “sins” vencida pelo cansaço face à teimosia, vencida pela resposta fácil face à insegurança.
Os “nãos” que digo como mãe não são muito diferentes dos que tento dizer como profissional, sempre a aceitar todos os prazos de várias solicitações diferentes para entregas sucessivas, sempre a achar que arranjo mais uma meia hora aqui e dez minutos acolá e consigo fazer tudo.
São semelhantes ainda aos “nãos” que digo como amiga, encaixando lanches e reuniões, jantarzinhos e curtos encontros tudo dentro de uma mesma quinta-feira em que o filhote não está comigo. Achando mesmo que, depois disso, ainda dou um salto ao cabeleireiro para esticar o cabelo antes de ir para casa.

Todos os “nãos” tímidos que saem da minha boca chegam ao outro lado como bonitos, sonoros e firmes “sins”. Mesmo de secador desligado e cabelo sem esvoaçar, os meus “nãos” são, definitivamente, “sins” desprovidos de convicção.

Ilustração

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