04 fevereiro 2013

Uma escolha e uma história #7


Um programa de tv

Há um par de anos eu era seguidora fiel, dedicada e vidrada na série Anatomia de Grey e a Izzie Stevens (representada pela atriz Katherina Heighel) era, durante o tempo em que a personagem existiu, a minha preferida.
Essa, como tantas outras coisas, não se explicam, achava eu que aquela era a personagem que mais me dava ou mais de mim tirava.

Lembro perfeitamente da primeira vez que vi a "Anatomia de Grey". Apanhei por acaso na televisão num domingo à tarde e era mesmo o primeiro de todos os episódios. A partir daí adotei aquele hospital e aquelas personagens como uma parte da minha rotina e confundi trechos daquelas vidas misturados em episódios da minha. Guardo, religiosamente, os dvd's com as temporadas que vi e sei citar partes e contar a trama, descrevendo os personagens como se tudo tivesse acontecido aqui e no dia de ontem.

Agora, ao escrever estas palavras, cresce em mim uma vontade avassaladora de recuperar o tempo perdido e ver as dezenas de episódios das últimas temporadas que perdi. Voltando a sentir-me de bata branca e estetoscópio ao pescoço salvando vidas alheias no último segundo.

Só que apesar de ter deixado a série, só que apesar da “Izzie” já nem entrar nela e surgir agora em filmes de qualidade duvidosa que dão em canais generalistas ao domingo à tarde, há um episódio que nunca mais me largará ou que eu nunca mais largarei. Melhor: um pequeno momento de um singelo episódio entre mais de 200 que a série neste momento tem.
Lá pela temporada 3, Izzie perde o seu namorado (paciente que se torna namorado sem nunca saírem do hospital), numa morte trágica que qualquer seguidor da série conhece. Para lidar com o luto – ou para não lidar com o luto – Izzie começa a fazer muffins, tabuleiros e tabuleiros de muffins, dezenas de muffins, centenas de muffins. Muffins que enchem a cozinha, a sala, a casa toda, o hospital, o bar ao lado, que enchem os cenários, os ecrãs e os personagens … de muffins.

Nesse tempo, eu também precisava de lidar com as coisas – eu também precisava de não lidar com as coisas. Então, comecei a fazer bolos. Bolos de chocolate, de laranja, de cenoura. Bolos de fim de semana. Bolos-de-não-lidar-com-as-coisas. Bolos para dispersar o tempo: Procurar a receita. Juntar os ingredientes. Agir. Mexer com a colher de pau. Envolver. Gastar energia. Preparar a forma. Ligar o forno. Lavar a louça. Vigiar a cozedura. Desenformar. Provar.

Os meus bolos encheram tardes de fins de semana, encheram tempo dentro de vazios, encheram amarguras em fatias.

Eu e a Izzie também tivemos o momento em que saímos da cozinha. Desligámos o forno. Parámos de encher os outros com as nossas falhas em fatias ou em pequenos muffins.
Eu e a Izzie soubemos que há um momento para lidar mesmo, definitivamente, francamente, com as coisas. Ela voltou ao hospital, retomou o seu trajeto conforme o guião. Eu aprendi que viver é tomar decisões e que ser feliz é uma escolha só nossa. Eu aprendi a lidar com as coisas sempre, sejam elas quais forem, sem lumes brandos ou falsas esperanças em entidades do acaso. Eu fiquei a saber que isto dos dias é dar e agarrar, é encontrar e recuperar, é esperar sempre o melhor dentro do pior. Então, não há fim de semana em que não faça um bolo.


4 comentários:

Anónimo disse...

Your mother....
Surpreendes-me sempre com os teus textos, tão reais como real é o amor que eu tenho por ti....
Um beijo.

Anónimo disse...

Your mother....
Surpreendes-me sempre com os teus textos, tão reais como real é o amor que tenho por ti....
Um beijo doce.

LR disse...

Também vi acompanhava a Anatomia de Grey e lembro-me dos Muffins da Izzie. Só não sabia que nessa altura te tinhas refugiados nos bolos...Mais uma vez adorei!!! Ficamos com pele de galinha só de ler as tuas palavras (de emoção, é claro). Bjs.

LR disse...

Também vi Anatomia de Grey e lembro-me dos muffins da Izzie. Só não sabia que nessa altura estavas refufiada nos bolos...
Mais uma vez adorei!!! É de ficar com pele de galinha (de emoção).
Bjs