"Tudo o que é meu
é tudo o que eu não sei largar"
Ela explicou-me, tintim-por-tintim, por que razão tinha eu de o largar. De deixar ir. De passar para outra esperança e deixar entrar uma nova história. Eu ouvi-a. Ouvi-a sempre. Mesmo a parte em que ela disse que amar alguém era largar e não prender. Mesmo a parte em que ela apertou as mãos, uma contra a outra, num gesto violento e me obrigou a escolher. Ouvi-a como tenho ouvido outras vozes, que dizem o mesmo por outras palavras, com gestos mais ou menos violentos, com ameaças e teorias do caos que ainda não fazem sentido.
Eu defendi-me. Falei-lhe de sentimentos, de coisas inexplicáveis, de justificações. Fui buscar outra vez a força das coincidências e lembrei-a do que é mais importante, do que ainda é mais forte.
Ela acabou por contar a história toda outra vez. A minha. Como se ela tivesse estado sempre presente, como um ponto no teatro ou uma consciência para quem acredita nisso. Somando tudo: ela mostrou-me como já não valia a pena. Como as respostas estavam dadas. Como as decisões estavam tomadas. E como era a minha vez de ver tudo isso. De frente. Claramente. E avançar.
Eu recusei. Não a olhei. Mudei a posição no sofá e o cabelo de lado. Procurei as razões de sempre, chamei os mesmos nomes às mesmas histórias. Confessei o quão frágil me sinto, o quão incapaz me vejo, o quão nada vale perceber onde está a verdade.
Ela, então, foi buscar o sentido de tudo: matar ou morrer, andar para a frente ou não andar para lado nenhum. Foi capaz, ainda, de explicar como todos os acontecimentos se uniram para um bem comum.
Eu interrompi-a. Neguei. Abanei a cabeça agitadamente. Repeti o "resumindo e concluindo" juntando-lhe o "nunca vou ser capaz", "vou ficar para sempre assim", "nunca mais sairei disto", "irei ter sempre esta certeza".
Ela enervou-se. Aproximou-se. Nunca a tinha visto tão de perto... Tão zangada até. Tão desapontada se calhar.
Eu quase vencida, quase acabada. Sem chorar. E a não querer ouvir. A não conseguir.
Ela disse, então, tranquilamente, que ia doer. Que não ia ser fácil e que eu sabia isso, desde o princípio. Voltou a explicar, detalhadamente, como esta era uma questão de sobrevivência. Como só eu não via o que era a mais pura das evidências. Repetiu as perguntas mais difíceis destes anos, as que me fez tantas e tantas e tantas vezes. Resumiu as minhas respostas ao longo do tempo. Desmascarou-as. Comparou-as com antes e depois que nem eu via.
Eu rendida.
Ela fez-me pensar. Sem pôr nada em causa. Chamando as coisas pelos nomes que têm.
E eu mostrei o pior de mim. Finalmente. Como posso ser a minha pior inimiga. Como não sou capaz de largar. (Como isso seria igual a morrer.) Mostrei-lhe a ela como para mim é mais natural perder que jogar para ganhar, como é mais fácil desistir do que ficar a assistir até ao apito final.
Ela acabou com o jogo.
E eu recolhi as cartas.
3 comentários:
....mais outro post "arrepiante"
:)
Tu és perita nisso, sabes disso :)
YOURMOTHER
Quando jogamos é sempre para ganhar!
E tu ganhaste a tua paz , a tua VIDA.
Bjs
"Amar alguém era largar e não prender." Tudo dito...
Pedro
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