26 janeiro 2011

Coisas do meu humor



Já tive um jogo de computador que jogava, precisamente, quando estava mal humorada. O jogo era um Tetris mas especial: quando se completava uma linha, seguia-se um conjunto de bombas que explodiam algumas das peças acumuladas no fundo. Não recordo já o nome do jogo, mas consigo ouvir ainda o som das bombas a rebentarem.

Já tive uma canção que ouvia, insistentemente, quando estava mal humorada. Alto. Muito alto! Repetidamente. Os sons daquela voz a doerem nos ouvidos, a ganharem formas e a perderem-nas de seguida. Quanto mais alto mais forte, quanto mais vezes mais perigoso e quanto mais insensato mais real.

Já tive um conto que fazia ainda mais sentido quando estava mal humorada. As palavras escritas nos lugares certos, alinhadas num rumo definido, que naqueles momentos assumia um nível de tragédia e terror imenso e gigante, maior do que as páginas, maior do que a história.

Já tive um percurso que fazia, unicamente, quando estava mal humorada. Seguia a pé, em passo sincopado, exagerando na força quando chegava uma ou outra subida. Passava nas passadeiras pela mesma ordem na ida e no regresso e mantinha as mãos nos bolsos e um zumbido nos ouvidos, uma espécie de banda-sonora do caminho.


Já tive uma ou outra razão para estar mal humorada, mas nunca tinha caído nesta estranha sensação de não estar mal humorada por coisa nenhuma mas estar mal humorada por tudo e por nada. Como se procurasse nos outros e na rua e no tempo e no que for, motivos para intensificar esse nervoso miudinho que parece um rastilho... prestes a rebentar. Como se este estado não fosse consequência de nada mas uma fatalidade, um vírus, uma inevitabilidade. Como se eu estar mal humorada não fosse culpa minha, nem fosse culpa da vida, da crise ou da vaga de frio, fosse simplesmente a melhor das desculpas para esconder o medo do vazio. Porque antes mal humorada que coisa nenhuma, antes mal humorada que nada.


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