04 dezembro 2010

Coisas da minha cabeça







Se eu não passar por uma certa estrada, que desenha uma curva contra outra e se endireita numa recta com três árvores à esquerda no sentido de casa, não lembro a primeira vez que aquelas árvores falaram comigo. Assim, aquele dia existe mas como se permanecesse congelado dentro dos pensamentos bons e tudo o que se seguiu a isso simplesmente não aconteceu.

Se eu mudar imediatamente a estação de rádio quando tocam aquela ou aquela ou ainda uma ou outra música, elas magicamente desaparecem nas ondas do éter sem entrarem nos meus ouvidos, remexerem nas memórias e trazerem apertos no peito que dificultam o meu respirar.

Se eu não comer nunca mais um certo chocolate, não voltarei a sentir como ele já se desvaneceu com a saliva, açucarando a língua, o céu da boca e desaparecendo pela garganta num prazer guloso, dentro de um momento único. Assim, consigo que o doce de um banal chocolate não azede um resto de dia, uma semana completa ou um mês inteiro.

Se eu não vestir aquela peça de roupa, como umas meias coloridas ou uma camisa com folhos nas mangas e botões, nunca aqueles tecidos tocaram a minha pele, foram apertados ou desapertados, vestidos ou despidos, parte do cenário de um dia ou de um instante, ou existiram sequer. E tudo ou qualquer coisa que aqueles trapos viveram comigo é mera obra da imaginação.

Se eu nunca mais repetir uma palavra, das melhores que se querem ouvir, das piores para se dizerem, das mais fortes para quem dá, das mais arrasadoras para quem as despreza. Se eu juntar essa palavra a um conjunto definido de umas tantas outras, adicionando frases e expressões, piadas e ironias e guardar tudo num espaço intocável e inamovível das recordações. Se a minha voz não voltar à palavra, às outras palavras, às frases e a tudo o resto, aos textos dos melhores momentos, então eles não surgem na cabeça e assim não doem, e assim não morrem. E os momentos ficarão sempre lá, no instante certo em que me fizeram feliz.



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