12 fevereiro 2008

Voltar atrás


No dia em que me descobri grávida senti a vida cair-me aos pés. Como se tudo o que tivesse vivido até aquele dia terminasse ali. Aquele é o tipo de coisa que só acontece aos outros e a mim, a 4 meses de entrar na igreja vestida de noiva, é que não podia acontecer mesmo.

Lembro-me bem de uma sensação que nasceu em segundos, um peso estranho na barriga como se ela já refugiasse um bebé prestes a nascer e não poucos gramas de um susto revelado há instantes. Por alguns dias ignorei tudo isso: a sensação centrada na barriga, o que dali iria nascer, o mundo completamente novo que se poderia abrir aos meus olhos. Durante esses dias concentrei todos os pensamentos em mim e desafiei o destino ou as lições da vida para inventar culpas e atribuir responsabilidades. Acabavam ali todos os sonhos criados anos a fio. Morria naquele instante um percurso certinho e rectilíneo desejado e seguido, sem grandes desvios. Para mim, por aqueles dias, perderam-se todos os ideais de sonhos tornados verdade e objectivos pelos quais se lutam durante semanas ou meses e se festejam quando realizados. O futuro não era nada daquilo e havia que inventar novos rumos para dar à história.

Houve quem me dissesse (alguém que sabia do que falava) que devia fazer uma espécie de luto, uma despedida do percurso de vida que sonhara para mim. Depois disso conseguiria aceitar, entender e ser feliz dentro de uma nova realidade. Esse dia, do meu luto, deixou-me trancada comigo mesmo, num diálogo sem palavras e quase sem movimentos. Talvez quando saísse dali, de pazes feitas com a vida, soubesse reconstruir os sonhos e fazer de um acaso a melhor conquista de sempre.

Passados 3 anos desses tempos vejo os dias seguintes como uma corrida de alta velocidade: das lágrimas resta pouco mais de uma névoa, seguiram-se os melhores meses de sempre, aqueles em que me senti sempre acompanhada de uma força e de uma vida que nunca experimentara antes e talvez não venha a sentir mais. E agora as birras de um Tigy de 2 anos e meio, que descontrolam os meus nervos e sugam tanta energia, fazem-me recordar os primeiros dias dele abrigado dentro de mim. Os tais em que me zanguei com o meu corpo e desejei dar passos atrás para poder seguir com a vida tão planeada para a frente. As birras do Tigy que são próprias da idade, que todas as crianças têm, que mais dia, menos dia passam quase sem darmos por isso. As birras do Tigy que não toleram "nãos" ou esperas. As birras do Tigy que me diminuem por dentro e me deixam as fraquezas à vista. As birras do Tigy que hoje me lembraram de tudo isto e me dão vontade de lhe pedir muitas vezes "desculpa" enquanto o vejo deitado e já adormecido. Se ele me desculpar talvez tudo ganhe sentido.

8 comentários:

mamã disse...

E achas que ele não te desculpa? Já estás perdoada sempre que olhas para ele e ele te vê como Mãe...

Bjs grandes

sombra_arredia disse...

Pudessemos fazer das nosssas mãos uma bola de cristal predizendo o futuro...
Era este o teu :)
Bj*

Jane & Cia disse...

ele há muito que te desculpou... sem nem saber... sem nem sentir...

hoje tenho lágrimas que são tuas e são minhas... porque sei o que é redesenhar caminhos... não no caso da gravidez mas de outros... e não sei se cheguei a fazer o luto merecido.

Um dia fará mais do que sentido as curvas as encruzilhadas e os passos dados...

Hoje o Tigy dá-te o sentido!

Anónimo disse...

Os caminhos que sonhamos e traçamos no nosso íntimo e os que a vida nos faz trilhar nem sempre coincidem.

Por aqui já passaram alguns lutos, outros ainda passam, mas foi essa mesma vida contraditória que me ensinou que, ainda que não pareça, tudo tem uma razão de ser.

O tapete que de repente sai debaixo dos nossos pés e nos faz cair numa realidade que não ousáramos sequer imaginar, anos mais tarde personifica-se no trampolim que nos permitiu ser felizes e, afinal, atingir algo que, de outra forma, não viveríamos.

O Tigy é o teu sentido, a tua razão, o fruto de um luto ultrapassado e saudavelmente relembrado pela força que dele nasceu em ti!

Beijinhos***

(desculpa o "testamento")

BlueAngel aka LN disse...

Lembro-me, como se fosse hoje, do dia em que me deste a boa nova. Fiquei feliz por ti e por todos vocês, mas percebi também, no teu olhar, que esta mudança de vida alterava planos e planos que tinhas feito e esperavas ainda concretizar. Hoje, a esta distância, tenho o privilégio de observar todos os dias o que de bom no Tiggy te/vos deu. Minha amiga, a vida apenas te deu um novo rumo que fez de ti a pessoa que és hoje e isso é o mais importante. Quanto às birras do Tiggy, que mal têm elas se até nós já tão crescidas nos damos ao luxo de ter uma ou outra de quando em vez? beijocas larocas com amizade :-)

Anónimo disse...

Pode dizer-se que, até uma certa altura, estavas um pouco em negação... acho que no fundo tu não querias era confirmar aquilo que já sabias! ;)
Com o "tudo certinho" sabemos sempre com o que contar, afinal está tudo planeado. Assim (da forma como tudo aconteceu)a vida tem mais piada. Afinal a tua grande desilusão resultou da maior alegria da tua vida. Que todas fossem assim...
BJS e saudades
Carina

Unknown disse...

Faltam as minhas palavras neste teu canto. Só para dizer que não há atrás para voltar e que o nosso Tigy nada tem que te desculpar. Sem ter sido como foi ele não estaria cá, sem ser como é não cresceria para outra fase diferente que também nos fará questionar. Vocês são o melhor que tenho e isso inclui também o que sou. Nunca perco um momento, em que estejam acordados, para vos pedir desculpa pelos meus erros. Nunca são dúvidas, na minha vida, mas únicas certezas. Assim sei ser nossa família também para ti, pese ás vezes faltar o chão.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Obrigado pelo link para o SORUMBÁTICO.

Abraço

CMR