17 fevereiro 2014

Se a felicidade existe, a felicidade é isto... #1

… chegar a casa.




Ser dia de semana e escurecer às 6 e meia e estarmos no momento em que chego a casa. É outono ou inverno, como agora. Antes a paragem na escola do Tiago, procurá-lo no recreio escurecido, encontrá-lo pela voz, pela silhueta , por um andar desajeitado que é só dele. No carro, de faróis acesos, paramos no semáforo avermelhado. Olho-o no banco de trás, pergunto sobre o dia que teve, sobre a sala de estudo ou o treino de futebol. As respostas vagas que dá terminam quando me lembra que já está verde e tenho de avançar.
Pergunta coisas do meu dia, do qual invento respostas fantasiadas para não lhe coartar sonhos de ser, um dia, feliz com o que vier a fazer.

E chove.
Chove só um pouco. Para molhar o vidro do carro, para nos fazer correr entre o carro estacionado e a porta de casa, para nos fazer tapar a cabeça com a mochila da escola ou a lancheira do almoço. É o final do dia e estamos em casa. Hoje somos dois. 

Ele procura a bola debaixo do sofá para os seus jogos “proibido-consentidos” na sala de estar. Pede bolachas, água fria, atira com os ténis para o canto do corredor e pergunta se vou acender a lareira.
Digo-lhe que quando tinha a idade dele adorava chegar a casa, vinda da escola, em finais de tarde como aquele, e ter a lareira acesa. Ele não dá importância à história repetida e pega na vassoura para retirar a bola debaixo do sofá.

Penso no jantar, enquanto acendo a lareira. Penso em coisas para fazer, enquanto visto o pijama. Penso nos trabalhos de casa do Tiago, enquanto despejo a máquina da louça. Penso no livro novo que vou ler ao deitar, enquanto jantamos os dois, na mesa pequenina, frente à lareira bem acesa, colados às notícias do dia ou a um episódio repetido da “Violeta”.

De mochila aberta, o Tiago retira livros e folhas amassadas por estojos e cadernos. Mostra-me fichas meias-feitas, rasuradas, com coisas certas e outras quase-pintadas. Lista, apressado, tudo o que “temos” de fazer, reforçando o “temos” com convicção.
Escolhe a ordem dos trabalhos e agarra-me o braço para que trabalhemos em equipa, vencendo a minha frase-feita do “Mas eu não ando na escola, Tiago!”.

Está escuro e o dia a fechar. Embrulhamo-nos no sofá a ver concursos e novelas, quartos de hora de publicidade e pedaços de zapping. Dividimos a manta e as almofadas, ele espreita o que faço no computador, eu espreito mais um grande golo na Psvita.

É hora de ele deitar, de lermos juntos os livros que escolhemos, de o tapar até às orelhas e o encher de beijos, pensando inevitavelmente: “Amanhã tenho de ser mais paciente com ele...”

“Dorme bem, filho. Num instante é de manhã...”
O dia termina ali. Vive-se ali, entre chegar a casa e vê-lo adormecer. Tudo o que fica antes e depois disso é quase nada, é quase incerto.





Ilustração

1 comentário:

ana disse...

e vê-lo crescer a cada dia, é uma vitória.