28 novembro 2013

Coisas da tolerância



O auge da irracionalidade aparece quando começa um jogo de futebol, ou se calhar quando acaba. Especialmente, quando perdemos. Ou pior ainda: quando os outros, os inimigos, a cor adversária, o centro de todas as nossas frustrações, ganham. Aí sim! A irracionalidade aparece. Serve-se do nosso corpo e dos nossos argumentos para se fazer ouvir.

Vivi durante muito tempo o poder da irracionalidade futebolística, habituada a ser de um clube que ganha muito, e centrando raivas num outro mais unânime. Até nisso o Tiago me tornou mais tolerante. Quando olho para ele, “benfiquista até morrer”, sempre a sofrer, a elogiar os jogadores dos outros, os treinadores dos outros, as vitórias dos outros, mas a saborear tudo o que é seu, vejo, ali, em metro e pouco de gente, uma grande ironia da vida.
Como se tudo o que mais desejássemos acontecesse, precisamente, no seu contrário, num despique metafórico entre o que o mundo nos dá e até onde conseguimos ir.

Porque ser mãe é muito voltar atrás e repensar tudo outra vez, é deixar as certezas absolutas por tentativas diárias e acertos constantes, é trocar obrigações por cedências, é dizer “pronto, desta vez pode ser” mas o “desta vez” ser um “quase sempre”.

Ser mãe tornou-me ainda mais descrente do “é assim porque é assim e será sempre assim”, para me fazer uma seguidora fiel do “hoje tentamos desta maneira”.
Educar – e que dificuldade tenho em dizer que faço isso, que sou capaz disso - é um jogo de equilíbrios e não um jogo de forças. É um constante apelo à capacidade de negociação. É um combate intenso com mais tréguas que assaltos. Mas é, acima de tudo, uma relação de iguais e de respeito.
Porque, na vida, como no futebol, lá por eu ser do Porto e o Tiago do Benfica, os meus gostos não têm de estar refletidos nas convicções dele. Lá por não marcarmos na mesma baliza, não quer dizer que não joguemos para o mesmo lado e que não festejemos juntos. Entre mim, a mãe, e ele, o filho, há dois papéis mas não tem de haver dois lados.

Portanto, há 8 anos, não acreditaria que iria à loja da Adidas escolher camisolas oficiais do Benfica para oferecer ao Tiago, que iria sorrir (por dentro) quando ele grita “golo”, que iria levá-lo uma semana inteira ao Estádio da Luz para o campo de férias e ainda responder, com um sorriso, às “saudações benfiquistas” dos monitores. E fazer tudo isso, agora, não me faz menos adepta do clube a que pertenço, nem menos convicta do que acredito, nem mais fraca enquanto pessoa ou sequer mais forte enquanto mãe. Faz-me apenas real. Real e mais tolerante. Certa de que o Tiago, por ser meu filho, não tem de ser a minha cópia, nem o meu reflexo. Tem de ser como é. Porque é tudo isso que eu admiro nele: o meu contrário, o meu melhor. Mesmo torcendo pelos outros.


Ilustração

2 comentários:

Anónimo disse...

Adoro a forma como escreves, com o coração - com uma lucidez e convicção raras. São refúgios de felicidade também para quem te lê. Beijinhos, Sérgio.

Anónimo disse...

Sempre, sempre a surpreenderes-me pela positiva. Só tu para esqueceres um pouco o teu clube de coração, para aplaudires o clube do coração do Tiago..... Só tu, para fazeres acreditar que apesar de cores diferentes o AMOR fala mais alto. É que filho sofrer dói muito!!!
Your mother...