26 janeiro 2012

Uma carta para...#4


o meu Pai

Pai
No meu quarto de estudante, onde vivi sete anos partilhando a casa com amigas para a vida, tinha uma parede cheia de poemas, frases e pedaços de canções, em folhas A4 que coloria com bonecos e colava frente à cama e à secretária para decorar. Substitutos originais, e até bem mais valiosos, dos quadros proibidos, pelos furos dos pregos numa parede arrendada.
Quando acabei o curso e naquela tradição das fitas que a família e os amigos escrevem, a surpresa foi grande ao recuperares um dos retalhos da decoração da minha parede, revestindo-o com uma moral à laia de desejo ou de conselho.


Escreveste, então, numa fita branca, com a tua letra desenhada:
"No teu quarto de estudante li Viver é desenhar sem borracha.
Vive de forma a nunca sentires falta dela.
Pai"

Penso nisto. Todos os dias.
Todos os dias mesmo.



Desenho a lápis,
Fugindo de arrependimentos, de perder tempo com "ses", de desviar o pensamento em caminhos de alternativas que já não voltam. Vivendo a vida para a frente, com a bagagem que se leva, com a história que se traz colada à pele, com as decisões tomadas, com as consequências aceites. 
Sem ser e sem querer ser de outra forma.


Escrevo a caneta,
No meio das piores conjunturas, anotando factos positivos em tudo o que já aconteceu. Sublinhando o orgulho nas escolhas feitas, naquilo que ficou comigo, para sempre, quando elas terminaram. Realçando, com mais tinta, que tudo tem sentido enquanto se vive com entrega, com vontade, com sinceridade, com verdade. 
A partir daí, deixa de ser vida e a ser costume.




E mesmo nos desenhos mais feios do passado, com traços desviados e linhas tortas
E mesmo nos registos mais duros, com palavras com erros ou frases mal construídas


nunca procurei borrachas que corrigissem o engano ou remediassem a lição.


Os bons desenhos, os bons textos, as melhores vidas, chegam depois de erros, de falhas, de dúvidas, de muitos enganos.


Mas quando até parece que fazia jeito a borracha, lembro da parede do meu quarto de estudante, da frase, da fita e daquilo que lá escreveste e sei que (in)felizmente não se acerta sempre, mas o segredo está em andar para a frente depois disso. Sem apagar absolutamente nada.


Da tua filha. 





3 comentários:

Anónimo disse...

Só tu para me fazeres chorar....

Segue a tua vida, de cabeça erguida, sem borracha no estojo, como só tu o sabes fazer.

Acredita que a recompensa vem lá do "CIMO".

YOUR MOTHER

scorpiowoman disse...

Nem mais.

Emocionei-me imenso ao ler estas linhas.

Continua... sempre.

Beijinhos***

Diana Rasga disse...

Ai maninha, estou de olhos rasos de lágrimas pelo relembrar das sábias escritas do pai. Lembro-me perfeitamente desta tua fita assim como me recordo do que o pai escreveu na minha, não nas palavras exactas mas em tudo parecido com: Terminou a tua vida de estudante, agora começa a vida... e é bem verdade!