21 março 2011

Coisas que acontecem na vida








Naquele fim de tarde o casaco que tinha ido para a escola não voltou e o Tigy, abrigado com um qualquer dos perdidos e achados, disse no seu tom pesaroso: "Perdi o casaco, Mãe". Num chorrilho de frases-feitas, ataquei o filhote com coisas como "Já é o segundo casaco que perdes este ano", "Ainda comprámos o casaco há tão pouco tempo", "Tens de tomar conta das tuas coisas", "Onde puseste o casaco quando o perdeste", até ser interrompida pelo Tigy que no seu tom afirmativo diz: "Mãe, é a vida", carregando no i e estendendo a última sílaba de todas.
Segurando a imediata vontade de rir, tentei mais um ou outro comentário em forma de reprimenda como "Acho bem que ainda encontres o casaco" ou "Qualquer dia deixo de te comprar casacos e andas ao frio"... mas ele fechou o assunto completando: "Mãe, são coisas que acontecem na vida".

As coisas que acontecem na minha vida também já foram casacos perdidos na escola e raspanetes da Mãe por causa das nódoas na bata. Também já foram brinquedos partidos e a sala desarrumada. Também já foram o jantar espalhado no prato sem ser comido e as horas a mais a ver televisão. As coisas que acontecem na minha vida também já foram testes com notas abaixo da média e trabalhos de casa feitos à última da hora. Mas também já foram os instantes enquanto se procura o nome numa pauta de exames afixada na parede ou se entra numa sala hostil para uma entrevista de emprego.

Há uma espécie de balança que trazemos na mente que vai adaptando o peso dos pratos à medida que as coisas que acontecem na vida vão mudando. Perder um casaco passa a pesar menos quando se tira a primeira negativa num teste e a nota menos boa perde valor quando se chumba mesmo a uma disciplina, assim como tudo isso fica desprovido de qualquer interesse quando não se é escolhido para uma vaga de emprego o que, por sua vez, acaba por não ser nada quando falta trabalho ou falha alguém. Com a idade, com o tempo, há coisas da vida que perdem peso para que outras apareçam e se agigantem.
Alguns problemas deixam de ser problemas quando surgem outros maiores e esta lei de compensações e proporções persegue-nos, ou guia-nos, mesmo que nem nos apercebamos dela.

As coisas que acontecem na minha vida agora nunca teriam o sabor que têm se eu não tivesse experimentado todas as outras que aconteceram antes. As coisas que eu tenho agora a acontecer na minha vida são o resultado desses sucessivos equilíbrios dos pratos da minha balança.

Então, olhar para trás é descobrir que afinal nunca há melhor do que o presente, nunca há melhor do que as coisas que acontecem agora na nossa vida, por muito que sejam casacos perdidos e reencontrados na escola ou dias de calor depois de semanas de chuva.

O que fica do passado é o eterno jogo da comparação de problemas, da importância que eles têm num momento e de como a perdem totalmente um instante depois. Sim Tigy, tu é que tens razão. No final das contas, são apenas coisas da vida. Coisas que acontecem na vida.

Ilustração - Monica Armino

4 comentários:

scorpiowoman disse...

Como o Tigy, apesar da sua tenra idade, consegue ser tão sábio!
São, de facto, coisas que acontecem na vida :-) e resta-nos aprender a viver com elas. Beijinhos e que seja uma excelente semana***.

Anónimo disse...

As coisas que os filhos nos ensinam... E deixam-nos a pensar. No fundo eles têm razão, e são a razão (de tudo). :))) Gena

Anónimo disse...

"Recorda o passado, vive o presente, planeia o futuro"
;)
Pedro

Tânia disse...

É tudo tão relativo...