
Isto dos livros mudarem vidas tem alguma coisa que se lhe diga... porque as palavras que os outros escrevem, contando histórias que outros viveram, podem dar-nos novos rumos e ensinar-nos muitas lições, mas o resto - que é a mudança, a decisão, o tiro no escuro ou o tiro acertado - já fica nas nossas mãos. Mesmo os livros, mesmo as vidas imaginadas por quem os escreve, mesmo os personagens que não são ninguém mas parecem tanta gente, não poderão fazer nada por nós, nem viver a nossa vida e escolher caminhos, diariamente, para que ela prossiga.
Assim, aqui ficam os livros que, podem não ter mudado a minha vida, mas ajudaram-me a escolher as mudanças que fui desejando para ela. E isto acontece hoje, como aconteceu no meu passado e como quero que aconteça, desesperadamente, no meu futuro.
1
"Lote 12 - 2º frente"
de Alice Vieira
Foi um dos primeiros livros que li na vida. Um livro enorme para a idade, cheio de letras e sem bonecos. Comprei-o porque um excerto no livro de Português do 5º ou 6º ano suscitou a minha atenção e quis saber mais, conhecer toda a história. A partir dele, passei a ler todos os livros da autora e a desejar para mim muito do que aquelas personagens viviam e sentiam. A passagem de criança a adolescente fez-se ao sabor das palavras da Alice Vieira e olhar hoje para a estante onde todos os livros dela figuram, de lombada colorida e sugestiva, transporta-me até um tempo do passado onde me sentia capaz de comandar todos os sonhos e de enfrentar todas as dificuldades.
2
"O vento assobiando nas gruas"
de Lídia Jorge
Era capaz de jurar que a conheço. A ela, a Milene do livro. Depois da história, fechado o livro, encaixado na prateleira junto aos outros da mesma autora, ficou ela, comigo, como uma amiga, uma prima, uma vizinha talvez. Para ela, inventei um rosto, um modo de andar que não sei bem imitar, um gesto até de mexer no cabelo e de piscar os olhos. De um livro como este posso lembrar já poucos momentos, apenas uma ou outra passagem mais marcada, mas vinda de um livro como este ganhei uma pessoa, que saiu da tinta de cada caracter para imprimir, na minha cabeça, a sua forma tão própria de viver a vida.
3
"Pobby e Dingan"
de Ben Rice
Um livro pequenino e discreto que fala daqueles segredos que guardamos connosco e que jamais se revelam. Ou talvez não seja assim. Revelam-se quando percebemos que o nosso segredo pode ser o segredo de tanta gente. Ao longo da minha vida tive sempre comigo um mundo de amigos que só eu via e que me acompanhavam na rua, em casa, na escola. Um universo à parte. Um lugar paralelo. Comigo, da infância para a adolescência, da adolescência para o resto que se tem seguido, têm andado uns certos Pobby e Dingan que, por muito desfasados no tempo que sejam, valem quase tudo por quase nada. E venha quem diga que são apenas retratos da minha imaginação!
4
"Um amor feliz"
de David Mourão-Ferreira
Lia-o todos os anos. Ou duas vezes ao ano. Quem sabe mais. Devorando sempre cada página como se fosse a primeira vez. Saboreando as palavras e até as virgulas entre elas e cada ponto final. Se não existissem tantos livros. Tantos e tão bons livros. Sim, era isso. Lia este sempre. Sempre. Vezes sem fim.
5
"Como água para chocolate"
de Laura Esquivel
6
"O mundo de Sofia"
de Jostein Gaarden
7
"Um"
Richard Bach
Escolher caminhos a seguir é sempre uma tarefa ingrata. Richard Bach convenceu-me que há uma Beguinha paralela que vai vivendo as decisões que eu rejeito. Por causa disso, dou por mim muitas vezes a conversar com ela, sabendo como é a sua vida no caminho à direita, enquanto eu prossigo por este, mais à esquerda. Então, em cada cruzamento, enquanto o sinal está vermelho ou damos prioridade a quem se aproxima pela direita... a Beguinha das opções rejeitadas e a Beguinha das opções tomadas tornam-se apenas uma, não vivem dois caminho mas apenas um.
8
"A Casa e o Cheiro dos Livros"
Maria do Rosário Pedreira
"Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono."
9
"Contos"
Ana Teresa Pereira
Uma viagem de férias. Dez dias num país tropical. Eu e este livro. Do sol para a cama gigante antes de adormecer. Da praia para a esplanada. Do sofá da sala de estar para a mesa do canto no bar. Eu e este livro. Eu e o Tom, a Patrícia, a Marisa. Eu e a irrealidade da escrita de Ana Teresa Pereira. Eu dentro do real, dentro do livro, dentro de mim. Eu e este livro.
10
"O Mar, o mar"
Iris Murdoch
Este é o livro do momento. Aquele que me espera na mesa de cabeceira quando vou deitar. Porque os livros que mudaram a minha vida são sempre os do presente e todos os que me esperam. A dobrar o meio do livro, ciente de que a última frase guarda um ponto de interrogação, este "O Mar, o mar" já é coisa que fica, já é coisa que vai.
Ilustração - Eunice Rosado