
No pequeno espaço de uma semana, a mamã Beguinha teve de encarar e ultrapassar os medos que vêem da infância e que, afinal, não se vão embora nunca.
Costumo dizer, e repetir, que se esqueceram de me dar coragem! Ao longo dos meus 27 anos nunca tive um impulso de aventura, nunca senti o sabor que ouço de alguns acerca do perigo, do desconhecido, da queda iminente, do escuro, do novo... Nunca andei na montanha russa, na verdade nem nos carrinhos de choque. Nunca gostei sequer de escorregas, baloiços, mergulhos no mar, zonas desertas, gente suspeita, becos escuros. Tenho pavor de andar de avião, de barco, de mota, de bichos de toda a espécie, de alturas, de velocidades... Da infância à adolescência, da juventude à idade adulta, os meus medos sempre foram a minha rotina e essa minha rotina sempre se fez num mundo de palavras, de folhas em branco, de canetas a escorregar no papel poisado nos joelhos. E, dentro do meu tempo, sempre vivi bem com a falta de coragem que tenho. Assumidamente.
Isto para contar que para além de ter visitado Paris e não ter subido à Torre Eiffel, que para além de ter fugido de tirar uma foto com uma simples arara no ombro, que para além de já ter feito toda a espécie de figuras ridículas dentro de um avião, durante as viagens mais pacíficas do mundo, eu sempre tive horror a vacinas e dentistas.
E, pois que, numa semana apenas, recebo a vacina do tétano, em atraso há cinco anos, por razões óbvias, e numa emergência, com dores imensas, causadas pelas consultas anualmente adiadas, por razões igualmente óbvias, tenho de ir ao dentista.
Lembro com uma certa vergonha, aquele dia em que, no centro de saúde, várias enfermeiras tiveram de me segurar para que uma delas conseguisse acertar com a agulha no meu rabinho. Lembro com imensa ternura as consultas no dentista, em que a minha irmã ficava sempre ao meu lado, enquanto eu lhe espremia com toda a força os dedos das suas mãos.
Agora, crescida, casada, profissional, mãe... foi sozinha, mas sempre apavorada, que enfrentei o medo. De braço exposto, tentando manter uma conversa de circunstância com a enfermeira, senti a agulha penetrar na pele, memorizando sempre que esta vacina é, apenas, de dez em dez anos. E dez anos é tanto tempo! Por fim, enquanto descia a manga da camisa, já sorria ao lembrar a dúvida, sempre latente na minha cabeça, enquanto aguardava a minha vez, de senha na mão, na sala de espera: "posso vir cá noutro dia"!
Dias depois, a viagem entre o trabalho e o consultório da Doutora Rosa foi feita completamente em pânico. E foi assim mesmo que me declarei ao encarar pela primeira vez a dentista. Depois de uma noite mal dormida, estar ali, naquela cadeira, com os olhos estacionados no candeeiro do tecto, e não sentir absolutamente dor nenhuma... desatou-me um sorriso! Envergonhado.
Nos tempos em que esperneava no centro de saúde para tomar a vacina, nos tempos em que entortava os dedos da minha irmã no dentista, pensava, afirmativamente, que os adultos, como a minha mãe, não tinham medo de agulhas ou tratamentos. Tinha a certeza que isto eram reacções de criança e que depois, milagrosamente, dissipavam-se.
Agora, mulher e mãe, descobri que há medos que não passam com a idade. Definitivamente. E que, se calhar, nunca serei a melhor pessoa para levar o Tigy a coisas como estas.