26 fevereiro 2014

De mim comigo

Ouço sempre com algumas reticências aqueles desabafos comuns de pessoas que estão permanentemente a ser desapontadas por outras, que tinham como amigas ou como amores ou cujos laços familiares as faziam parte conjunta. São comuns considerações como “as pessoas que mais gostamos são as que mais nos dececionam” ou “mais uma vez descubro o que as pessoas são de verdade”, numa tentativa de comiseração que, logo à partida, recuso.

Eu sei que a teoria da idade - “Vive mais anos e vais ver”, já ouço algumas vozes profetizar – até pode ter peso nestas coisas das relações humanas, mas eu – Felizarda! Felizarda! - não guardo desilusões.
Ou já as esqueci, e daí se vê a importância que tais pessoas possam ter tido na minha vida, ou então protegi-me a tempo. E é por aqui que quero ir.

Há muitos anos que ouço sobre mim que não sou de dar muita confiança, à partida, que não sou expansiva nem de simpatia imediata. Gosto disso.
Acho que tenho faro para pessoas que são de desconfiar. Quando dou por mim já cortei, já retirei confianças, já dei três passos atrás e empunhei o escudo. Desconfio muito mais do que confio e, talvez por isso, é que as pessoas me surpreendem muito mais pela positiva... do que o contrário.

Tenho uma mão cheia de histórias recentes, que metem trabalhos e partilhas, que provam isto mesmo. De pessoas que tenho como minhas mas com quem não falo todos os dias, nem todos os meses... nem todos os anos, sequer. Mas que, numa oportunidade, é de mim que se lembram e pegam no telefone ou carregam nas teclas do e-mail para me fazer parte de algo, para me recomendar para alguma coisa, para dividir comigo algo bom que conseguiram e que também me pode beneficiar.

É então que sinto o poder da gratidão e, por mais que tente expressá-la, tudo me soa fraco e levezinho. Por vezes, queria ter “néons” no céu que piscassem para alguém dizendo “Obrigada! Obrigada!”. Ou então queria recompensar cada um com o tamanho daquilo que me deu.

Sou muito abençoada pelas pessoas a quem chamo amigas. Tenho muitos amigos e amigas, pessoas de quem gosto mesmo, de quem gosto mesmo muito, a quem dou abraços apertados quando nos vemos, de quem sinto saudades sem fim quando não estamos perto.
Pessoas para quem desejo tal e qual o que desejo para mim própria.
Pessoas a quem escrevo do nada e digo “gosto de ti”, pessoas que me mandam mensagens só para saber se estou bem. Nunca hei-de esquecer um telefonema madrugador de uma amiga, que vive a mais de 200 quilómetros, e com quem falo quatro ou cinco vezes por ano, perguntando-me apenas se estava bem porque tinha sonhado comigo e ficou preocupada.
Nunca hei-de esquecer as vezes que alguns amigos deixaram de fazer as suas coisas para me ajudar nas minhas. Nunca hei-de esquecer abraços que recebi em momentos certos... ou incertos.
E, por estes dias, nunca terei “obrigadas” suficientes a quem me ajudou a ter os dias cheios de trabalho, de projetos e de uma compensação incomparável que vai muito para além do dinheiro.

Então, as minhas amizades, são feitas de boas surpresas e de inesperados positivos. Dizendo eu, de mim comigo: “Olha que bom! Não estava nada à espera!” e o nada ser um tudo tão acertado no momento presente.

Que chegue a idade e que se desvendem as relações humanas, que permaneçam as desilusões alheias com as pessoas que escolheram, que eu quero as minhas pessoas tal e qual como são, como eu as fiz para mim: quando desconfio uma vez, não confio mais; e quando confio... desconfio um pouquinho para depois confiar sempre. Sempre mais.

17 fevereiro 2014

Se a felicidade existe, a felicidade é isto... #1

… chegar a casa.




Ser dia de semana e escurecer às 6 e meia e estarmos no momento em que chego a casa. É outono ou inverno, como agora. Antes a paragem na escola do Tiago, procurá-lo no recreio escurecido, encontrá-lo pela voz, pela silhueta , por um andar desajeitado que é só dele. No carro, de faróis acesos, paramos no semáforo avermelhado. Olho-o no banco de trás, pergunto sobre o dia que teve, sobre a sala de estudo ou o treino de futebol. As respostas vagas que dá terminam quando me lembra que já está verde e tenho de avançar.
Pergunta coisas do meu dia, do qual invento respostas fantasiadas para não lhe coartar sonhos de ser, um dia, feliz com o que vier a fazer.

E chove.
Chove só um pouco. Para molhar o vidro do carro, para nos fazer correr entre o carro estacionado e a porta de casa, para nos fazer tapar a cabeça com a mochila da escola ou a lancheira do almoço. É o final do dia e estamos em casa. Hoje somos dois. 

Ele procura a bola debaixo do sofá para os seus jogos “proibido-consentidos” na sala de estar. Pede bolachas, água fria, atira com os ténis para o canto do corredor e pergunta se vou acender a lareira.
Digo-lhe que quando tinha a idade dele adorava chegar a casa, vinda da escola, em finais de tarde como aquele, e ter a lareira acesa. Ele não dá importância à história repetida e pega na vassoura para retirar a bola debaixo do sofá.

Penso no jantar, enquanto acendo a lareira. Penso em coisas para fazer, enquanto visto o pijama. Penso nos trabalhos de casa do Tiago, enquanto despejo a máquina da louça. Penso no livro novo que vou ler ao deitar, enquanto jantamos os dois, na mesa pequenina, frente à lareira bem acesa, colados às notícias do dia ou a um episódio repetido da “Violeta”.

De mochila aberta, o Tiago retira livros e folhas amassadas por estojos e cadernos. Mostra-me fichas meias-feitas, rasuradas, com coisas certas e outras quase-pintadas. Lista, apressado, tudo o que “temos” de fazer, reforçando o “temos” com convicção.
Escolhe a ordem dos trabalhos e agarra-me o braço para que trabalhemos em equipa, vencendo a minha frase-feita do “Mas eu não ando na escola, Tiago!”.

Está escuro e o dia a fechar. Embrulhamo-nos no sofá a ver concursos e novelas, quartos de hora de publicidade e pedaços de zapping. Dividimos a manta e as almofadas, ele espreita o que faço no computador, eu espreito mais um grande golo na Psvita.

É hora de ele deitar, de lermos juntos os livros que escolhemos, de o tapar até às orelhas e o encher de beijos, pensando inevitavelmente: “Amanhã tenho de ser mais paciente com ele...”

“Dorme bem, filho. Num instante é de manhã...”
O dia termina ali. Vive-se ali, entre chegar a casa e vê-lo adormecer. Tudo o que fica antes e depois disso é quase nada, é quase incerto.





Ilustração

10 fevereiro 2014

Conversas com ele

I
Deitados na cama, a tentar adormecer, digo enquanto o abraço com muita força:
- Tiaguinho! A mãe adora-te! Adora-te! Adora-te! Adora-te! Não me canso de te dizer.
- Mas acredita que eu canso-me de ouvir...

II
No carro, na auto-estrada de regresso a Lisboa, num dia de alerta vermelho:
- Mãe, disseste que íamos devagar por causa do tempo e vais a 120?! Isso é que é ir devagar?!
- Ó Tiago tenho de aproveitar quando o tempo melhora senão nunca mais lá chegamos...
- Mãe, eu quero é chegar vivo, não é chegar depressa.